O último ano do futebol mineiro em seu esplendor


Por Felipe Portes

foto: Bruno Cantini / Atlético

Pode-se pensar que o futebol mineiro teve seus grandes momentos quando o Cruzeiro venceu a Libertadores em 1976, ou em 1997, quando se credenciou para a representar o Brasil no Intercontinental – o Mundial de Clubes antes da Era Fifa. Bicampeão sul-americano, o Cruzeiro não se limitou a dominar o continente nos anos 1990, e estendeu esse domínio para o início dos anos 2000, levantando a inédita tríplice coroa em 2003, com aquele time fantástico liderado por Alex.

Entretanto, essa glória diz muito pouco sobre a representatividade mineira como um todo. Até mesmo porque o Atlético Mineiro vivia uma fase tenebrosa que culminou no rebaixamento em 2005. Precisamos avançar um pouco mais no tempo para relembrar um momento especial, quando os dois gigantes de Belo Horizonte alcançaram um patamar superior no futebol nacional no mesmo ano. Se o Atlético conseguiu dominar seus próprios nervos e levantar a Libertadores com tons de drama, loucura e fé, o Cruzeiro conquistou o Brasileirão de maneira arrasadora, empurrado pela inspiração de Ricardo Goulart e Everton Ribeiro. Em nenhum outro momento a dupla esteve tão forte e pronta para disputar o topo do país como em 2013.

De um lado, Cuca e seu Galo Doido protagonizaram uma das histórias mais empolgantes da Libertadores, com viradas impressionantes, atuações no limite, Ronaldinho Gaúcho como peça crucial, Jô e Tardelli em jornadas que dificilmente seriam replicadas em outro contexto. Leonardo Silva e Réver dando consistência à zaga, o milagreiro Victor no gol e no altar como santo. Pierre e Josué na marcação de meio-campo e Bernard e Guilherme como ajudantes de Ronaldinho. Faltam adjetivos para descrever o quanto a arrancada do Atlético até o título foi a glória necessária para libertar o atleticano da sombra do rival, que por décadas reinou soberano como o único campeão mineiro da maior competição da América do Sul.

Do outro, Marcelo Oliveira e seu elenco infalível alçaram o Cruzeiro ao bicampeonato. Que por dois anos praticou o estilo mais regular do Brasil e que bebeu até secar na fonte de criatividade de Goulart e Ribeiro. Além dos dois destaques, a Raposa também tinha um time pronto e organizado, com outras peças como Nilton, Marcelo Moreno, Willian, Henrique, Lucas Silva, Egídio, Júlio Baptista, Mayke, Ceará, Léo, Bruno Rodrigo, Manoel, Dedé e o goleiro Fábio.

Um lento desmanche acabou com o sonho de que os times mineiros fosse além. Sobretudo o Cruzeiro, que chegou a sonhar com o tri da Libertadores, mas voou perto demais do sol. O Galo começou perdendo Cuca em dezembro de 2013, trazendo Paulo Autuori para o seu lugar. Depois, perdeu Ronaldinho, que foi para o Querétaro. Curiosamente, o elenco manteve a força e a agressividade, alcançando o título da Copa do Brasil do ano seguinte em cima do seu maior rival, que podia até não saber, mas se despedia de seu auge naquela decisão.

Incontestável, o Atlético derrotou o Cruzeiro no que provavelmente terá sido o grande jogo da história do dérbi belorizontino, valendo a taça da Copa do Brasil. Desde então, quase três anos depois, ambos se encontram em fases bem menos animadoras do que se projetava no início de 2015. Não é como se eles tivessem falhado em retornar a uma decisão. O Galo, por exemplo, voltou para a final da Copa do Brasil em 2016, mas apanhou do Grêmio de Renato Portaluppi, quase de maneira vexatória, ao demitir Marcelo Oliveira antes do segundo jogo. E se a palavra que surge na mente é decadência, talvez apenas o planejamento ruim seja comum aos dois clubes.

Quem não acompanha a rotina de Atlético e Cruzeiro (como este que vos fala), nota uma ligeira preocupação em acalmar os ânimos da torcida, acima de apresentar qualquer plano sólido e coerente para voltar ao caminho das vitórias. A troca recorrente de técnicos desde 2015 não é um atestado de visão de mercado, mas sim de falta de tato. Basta olhar a lista de profissionais que já passaram pelo banco de reserva das duas equipes: muitos estilos diferentes de trabalho para poucos resultados bons.

E mesmo quando parecia saber o que estava fazendo, o Atlético deu azar com Roger Machado, que foi incapaz de dar ao elenco a cara que gostaria e que lhe fez famoso pelo Grêmio. A diferença é que os atleticanos desfrutam de um elenco muito mais recheado e estelar, o que certamente aumenta a pressão em torno de títulos ou campanhas minimamente decentes. Já não é o caso em 2017, com o fiasco em andamento no Brasileiro e a campanha pouco convincente na Libertadores.

Com Rogério Micale, é impossível ter qualquer certeza, já que o treinador vem de muitos anos trabalhando com equipes de base, com Autuori, Levir Culpi, Diego Aguirre, Marcelo Oliveira, Diogo Giacomini (interino) e Roger Machado no cargo de comandante do time principal. Muitos nomes e planos distintos para quem tem certeza do que quer seguir no futuro. Agora a palavra-chave na Cidade do Galo é recuperação. Ainda é possível salvar o ano com a Libertadores. E caso o título venha, de alguma forma, a taça vai legitimar o que foi feito, apagando até mesmo os erros gritantes ao longo do percurso.

A realidade do Cruzeiro não é tão diferente, embora Mano Menezes dialogue com um ambiente mais modesto. A Raposa parece estar pagando pelas extravagâncias financeiras do período do bicampeonato brasileiro. A diretoria trocou menos de treinador: depois de um 2015 desastroso, Marcelo Oliveira pagou a conta pelo desmanche de elenco e foi demitido após uma traumática derrota para o River Plate na Libertadores. Vieram Vanderlei Luxemburgo, Deivid e Paulo Bento depois dele, com Mano assumindo duas vezes o comando. Na primeira, deixou o clube ao fim do ano para acertar com o futebol chinês. Na segunda, surgiu para apagar o fogo deixado pelo português Paulo Bento, que não conseguiu se adaptar ao futebol brasileiro e deixou o Cruzeiro em uma situação desastrosa.

O Cruzeiro de 2017 aposta em poucos jogadores com perfil mais chamativo, contrastando com jovens promessas. Mano conseguiu conduzir a equipe a uma semifinal de Copa do Brasil, mas o futebol ainda não agrada e a posição no Brasileiro não é satisfatória. Assim como o rival, a Raposa espera uma taça em mata-mata para, quem sabe, recuperar a confiança e pisar em terra firme por alguns meses. A reformulação cruzeirense, no entanto, é mais complicada. Sem tanto dinheiro para investir ou esbanjar em reforços, a saída é organizar o que Menezes tem em mãos, ainda que não haja tempo ou tranquilidade para isso. A pressão sempre vai estar presente.

Três anos depois de desbancar todos os outros grandes favoritos no cenário nacional, Cruzeiro e Atlético vivem uma temporada difícil, temperada por cobranças e por pequenos erros que podem se transformar em uma bola de neve. Mais importante do que conseguir chegar longe e vencer, é saber o que fazer depois de um grande sucesso. Esta parte da cartilha geralmente é ignorada por dirigentes, sedentos por fazer história a qualquer custo. Muitas vezes, ganhar de maneira irresponsável é o primeiro passo para a decadência em curto prazo.

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Felipe Portes
 

Jornalista, fundador e editor do site Todo Futebol, com passagens por Trivela e Yahoo Esportes.