Binóculos no nevoeiro

Cinco perguntas para três cientistas políticos


Por João Gualberto Jr.

Foto: Mídia Ninja

Caro leitor/eleitor, caminhamos já para o fim de agosto e imagine-se daqui a um ano: debates acalorados, jingles intrusos derramados por carros de som, outdoors berrantes, candidatos postos, campanhas nas ruas, eleição pegando fogo. Será? Quem garante?

É bem provável que tenhamos eleições gerais em 2018, mas, como serão elas, quais serão suas regras, ninguém sabe. Conhece aquele caso de o pneu ser trocado com o carro em movimento? Pois é. A instabilidade político-institucional no Brasil não para de nos surpreender. E, em função da estirpe dos borracheiros, desculpe, mas fundo do poço é uma noção otimista.

Talvez este seja o denominador comum que você lerá abaixo: a crise política sobreviverá às eleições presidencial e parlamentar do ano que vem. O Beltrano provocou, com as mesmas questões, três cientistas políticos, professores em três das mais conceituadas universidades de Minas Gerais. Nenhum deles crê que um processo eleitoral, apesar de sua suposta capacidade de conferir legitimidade aos resultados do pleito, poderá, de fato, sepultar as bagunças, colar os cacos e suplantar animosidades. Pelo contrário, a ‘caixa de Pandora’ continua aberta, e os sacis, os curupiras e as cucas seguem ganhando as matas.

Os estudiosos apostam, por exemplo, em uma disputa com forte protagonismo da Justiça Eleitoral. Considerando que o presidente do TSE é o barão do judiciário Gilmar Mendes, bem, aí o jogo realmente ganha ares de total dúvida. E a gestação em curso do distritão (filho bastardo de uma relação falida) é citada pelos professores como uma má novidade, um primogênito de uma prole indesejável: mais uma traquinagem dos parlamentares em benefício próprio e em desfavor da saúde da democracia.

A tônica das três entrevistas é a dificuldade em enxergar além de alguns palmos neste cenário de espesso nevoeiro em que nos encontramos. Como serão as eleições, se ocorrerem? Qual o comportamento do eleitorado tomado de incredulidade? E os candidatos, por sua vez, como vão se comportar? A profunda incerteza é lida nas diferentes e até divergentes respostas dos cientistas políticos: interpretações díspares e prognósticos idem.

Se especialistas, doutores com décadas de leituras sob os olhos, reconhecem o desafio de entender o que se passa, o que será de nossa mediocridade? E, se as instituições políticas estão desmoronando nos últimos tempos, a cobertura jornalística afunda com elas. Não ajuda em nada no esclarecimento, pelo contrário: a superficialidade e a tomada de partido dos veículos convencionais, em suma, o mau serviço, põe em extinção o jornalismo político como atividade, nas palavras de um dos entrevistados.

No entanto, vamos em frente, ansiando por algo sólido ao qual nos agarrarmos. A promessa de firmeza, aliás, pode se transformar numa promissora estratégia de marketing para o ano que vem, ainda que nos ofereça o risco de voltar lá para os anos de 1930, com seu messianismo raivoso, no tabuleiro do desenvolvimento global. Há quem o deseje. Que Deus e o juízo nos protejam.

Bruno W. Reis (UFMG)

1 – O que mais te intriga, a apatia ou a ignorância da população brasileira?

Nem uma, nem a outra. A proverbial apatia tem boas razões históricas num país rural e escravocrata que se urbanizou há poucas décadas. Mas não tenho certeza de que ainda exista. E inculto o país inteiro é, de alto a baixo na pirâmide social.

2 – Essa apatia seria, na verdade, uma bomba-relógio? Se sim, quando e como ela poderá explodir?

Duvido. Para uma bomba-relógio, a melhor metáfora seria a da panela de pressão, que ocasionalmente ilustrou algumas preocupações ao fim da ditadura. A eventual apatia tende a se dissipar paulatinamente, à medida que a população se organiza numa vida associativa mais vigorosa.

3 – O que de pior poderia nascer de uma reforma política aprovada neste ano no Congresso?

O sistema eleitoral brasileiro poderia melhorar muito com pequenas reformas tópicas: tetos nominais para doações, listas partidárias pré-ordenadas, talvez uma redução moderada na magnitude dos maiores distritos. As piores coisas que poderiam acontecer tendem a ser, ironicamente, bem recebidas pela opinião pública: voto facultativo, sistema distrital, candidaturas avulsas etc.

4 – Teremos eleições em 2018? De que forma será ela?

Sim, teremos. Mas a incerteza sobre elas é muito maior do que seria desejável. O candidato favorito à presidência, por exemplo, é alvo de uma perseguição judicial que pode tirá-lo da disputa. Isso projeta o risco de prolongamento da instabilidade que vivemos hoje, com efeitos graves na vida da população.

5 – Por quais razões o noticiário político te entristece atualmente?

Jornalismo político é uma atividade em extinção. Em vez da investigação autônoma, voltada à informação do leitor, os veículos se contentam em circular o “press release” das assessorias de imprensa dos próprios protagonistas, e acham que fazem jornalismo responsável ao simplesmente circularem as versões de mais de um lado. Fora isso, embrulham o noticiário que lhes chega na mais banal demagogia, que faz uma caricatura cínica da atividade política. A presunção tácita de que a política é sempre um covil de criminosos acaba se tornando uma profecia que se autocumpre.

Malco Camargos (PUC Minas)

1 – O que mais te intriga, a apatia ou a ignorância da população brasileira?

Fico mais surpreso com a ignorância, uma vez que a apatia pode ser explicada por fatores diversos: falta de recursos para mobilização, falta de alternativas para substituição do presidente e lideranças de esquerda também torcendo contra a operação Lava Jato para proteger seus pares. Já a ignorância mostra como a participação política, seja digital, seja nas ruas, não tem produzido cidadãos mais bem informados ou com maior saliência política.

2 – Essa apatia seria, na verdade, uma bomba-relógio? Se sim, quando e como ela poderá explodir?

A apatia só irá mudar, na minha opinião, se o governo buscar resolver o ajuste fiscal onerando a classe média. Enquanto o foco for a classe mais baixa, a apatia irá perdurar.

3 – O que de pior poderia nascer de uma reforma política aprovada neste ano no Congresso?

O caminho que estamos trilhando, com a possibilidade do distritão, é péssimo para a necessária formação de identidade partidária. Já a ampliação do fundo partidário pode dar bons resultados facilitando o acesso aos maiores partidos, bem como a cláusula de barreira e o fim da coligação, diminuindo a fragmentação no Congresso.

4 – Teremos eleições em 2018? De que forma será ela?

Não sei.

5 – Por quais razões o noticiário político te entristece atualmente?

A agenda da política, desde 2014, é sempre negativa. Isso impede o surgimento de novas lideranças e desgasta as atuais, ou seja, nos deixa sem alternativas.

Oswaldo Dehon (Ibmec)

1 – O que mais te intriga, a apatia ou a ignorância da população brasileira?

A apatia, de longe, intriga mais. Está claro que o cidadão médio brasileiro dispõe de informações imprecisas sobre o funcionamento do sistema político. No geral, ele tende a observar a política destacando o candidato e não seu partido. Se impressiona pelo tema da corrupção, mas possui distância das diferenças cruciais entre os partidos, o modelo de Estado, a relação com a sociedade, a economia, as questões sociais ou a política externa. Mesmo com a baixa qualidade da informação política, o eleitor aprendeu muito com o processo eleitoral, desde a redemocratização. É mais curioso que no passado, dispõe de acesso a informações pela internet, pressiona por interesses e tende a ser mais exigente com as propostas. É crítico, mas não se envolve com a política real, pouco se mobiliza, e não é incomum a adesão a slogans fáceis e demagógicos.

Mas a apatia, entendida como a distância da cidadania em relação à política, é mais desafiadora. Há tempos, os bons quadros, intelectuais, juristas de boa qualidade, economistas, administradores públicos, líderes de movimentos sociais, demonstram enfado e resistência à vinculação aos partidos e candidaturas. Há algumas exceções, mas o lugar da politica foi bestializado, e a expectativa é que demore a regenerar.

Os múltiplos ataques à Constituição, a desordem nas contas públicas, a inviabilização do sistema de pesquisa e inovação no país, a crise das universidades, a naturalização da desigualdade e das altas taxas de criminalidade e o empobrecimento da população convivem com o retorno à projetos autoritários, simplistas ou de amplo retrocesso quanto a políticas públicas exitosas. Com essa apatia, não há crise que termine.

2 – Essa apatia seria, na verdade, uma bomba-relógio? Se sim, quando e como ela poderá explodir?

Essa pode ser uma onda de longo prazo. A apatia não é exclusiva do Brasil. As mudanças na forma pela qual o mundo da produção tem resolvido seus gargalos de produtividade e inovação demandam reformas na organização da vida política. O comparecimento eleitoral despenca no mundo, as taxas de sindicalização, idem, o interesse sobre a democracia na região e no mundo está em declínio. As visões tecnocráticas – ou a compreensão da política exclusivamente pelas lentes do mercado – avançam e isolam os ideais democráticos e da inclusão política. O distanciamento dos assuntos políticos pode conduzir a projetos autoritários, como se sabe. A desigualdade parece não causar grandes emoções no país, porém, em caso de aumento do desemprego e da pobreza, com novas denúncias de corrupção, as soluções não institucionalizadas, como novas grandes manifestações podem surgir, mas como uma diferença: dificilmente seria a classe média, mas os setores mais empobrecidos.

3 – O que de pior poderia nascer de uma reforma política aprovada neste ano no Congresso?

Já nasceu, o distritão. É um modelo ultrapassado, que reforça a proposta majoritária, retira pluralismo da política e ajuda a reforçar a ideia de que a política deveria ser descolada dos partidos. Tende a gerar campanhas mais caras e políticos de corte mais ligados ao campo territorial, menos conectados à dimensão não espacializada/distritalizada da política pública, como no caso do meio ambiente, da educação, da tecnologia e inovação, do desenvolvimento econômico. Teremos, se implantado, políticos que se assemelhariam mais a líderes locais, vereadores, e não deputados federais.

4 – Teremos eleições em 2018? De que forma será ela?

Creio que sim. Mas com um cenário de baixa politização e uma avaliação muito negativa sobre as instituições políticas. Há amplas possibilidades de que as eleições de 2018 incorporem as patologias políticas de forma ainda mais visceral, como a aversão aos partidos, o neoanarquismo, o aumento do ódio, a demanda por soluções simplistas, a alienação da classe média, a interdição das demandas dos setores mais empobrecidos, a demagogia e um eventual aumento no número de votos nulos e brancos e nas abstenções. Há grandes chances de termos as eleições mais tuteladas pela Justiça Eleitoral dos últimos anos, com regras idealistas e impressionistas, típicas da tradição bacharelesca.

Se Lula puder ser candidato, teremos um cenário. Se não, teremos uma eleição com muitos outsiders e alguns poucos candidatos mais afirmativos. Há chances de uma eleição que guarde semelhanças com a de 1989: muitos candidatos e um cenário imprevisível.

5 – Por quais razões o noticiário político te entristece atualmente?

Não tenho ilusões sobre o noticiário político. Não vejo grandes mudanças na cobertura brasileira do que houve no passado, baseada na emoção/paixões de editores, chefes de redação e sócios com os projetos políticos. A questão é a baixa competitividade da mídia tradicional em relação às redes sociais e aos blogs políticos. A crise jornalística no Brasil ficou ainda mais clara quando comparamos a cobertura do impeachment de Dilma ou a demanda da investigação de Temer com aquela produzida pelo noticiário internacional no Brasil. O trabalho de BBC, El Pais Brasil, The Intercept, dos sites especializados, como o Nexo, o Poder 360, e aplicativos como o Flipboard e News representam algo positivo.