Codemig à venda

Entenda a abertura de capital da estatal mineira, aprovada pela Assembleia, e as suspeitas que recaem sobre a exportação do nióbio de Araxá


Por Alice Maciel

Crédito: Divulgação/Codemig

Sem previsão de quanto o Estado poderá faturar com a abertura do capital da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), o governador Fernando Pimentel aprovou na última terça-feira (19/12), a toque de caixa, o Projeto de Lei nº 4.827/2017 que autoriza a venda de 49% das ações da empresa para o setor privado. As receitas da estatal atingiram, no ano passado, R$ 557 milhões. Cerca de 80% desse total (481,7 milhões) vem da exploração do nióbio em Araxá, que está sendo investigada pelo Ministério Público de Minas Gerais. Com a venda da parcela minoritária, o governo continuará no comando da estatal. No entanto, conforme explicou o presidente da Codemig, Marco Antônio Castello Branco, durante audiência pública realizada na Assembleia no dia 12/12, os acionistas privados terão participação no conselho administrativo da companhia e, consequentemente, poder de voto para a tomada de todas as decisões estratégicas.

Foto: Manoel Marques/imprensa-MG

A Codemig, constituída na forma de sociedade anônima, possui143 mil ações que pertencem ao Estado e uma ao Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG). De acordo com Castello Branco, a avaliação do preço destas ações será feita a partir de agora, depois da aprovação do projeto de lei pela Assembleia Legislativa. “A gente só pode fazer contratação da consultoria para nos ajudar a fazer a modelagem (da venda das ações) depois de ter autorização da Assembleia”, justificou. “É uma autorização que nós precisamos para fazer uma consulta ao mercado e ver se há interesse em arranjar um sócio. A Codemig vai continuar sendo do Estado. O que nós podemos fazer é abrir o capital para um sócio minoritário, mas não tem nada definido ainda”, acrescentou o governador Fernando Pimentel, que vinha afirmando que não haveria privatizações em sua gestão. “Por que a gente privatizaria empresas que estão bem e dando resultados, como a Cemig (energia elétrica), a Copasa (saneamento) e a Codemig (desenvolvimento)?”, disse o governador em entrevista ao Valor Econômico, publicada dia 2 de março.

Além de não estimar o valor da venda das ações da Codemig, o governo também não esclareceu qual será o destino dos recursos. Para justificar o projeto, o diretor-presidente da empresa afirmou que a venda das ações dará condições ao Estado de fazer investimentos em infraestrutura e nos equipamentos de prestação de serviço público e jogou novamente a bola para a Assembleia: “A motivação da venda das ações é realizar parte do patrimônio e o recurso ser aplicado nos projetos do governo do Estado, projetos estes de gastos que serão deliberados por essa Casa”.

Fato é que, às vésperas do período eleitoral, com previsão de déficit orçamentário de R$ 8,18 bilhões para 2018, com dificuldade de pagar os salários dos servidores públicos e uma dívida com a saúde que já soma R$ 2,5 bilhões, segundo a Associação Mineira de Municípios (AMM), Pimentel tenta de todas as formas levantar recursos. “Essa é uma das alternativas possíveis para o Estado continuar em funcionamento. A crise fiscal e a crise financeira do país exigem escolhas”, ressaltou o líder da bancada governista, André Quintão (PT).

foto: Guilherme Bergamini

MARATONA

O governador correu contra o tempo para aprovar a proposta ainda este ano, uma vez que a operação demoraria, no mínimo, quatro meses, segundo Castello Branco. O PL começou a tramitar no Legislativo no dia 29 de novembro e passou por todas as comissões até entrar na pauta do plenário.

A aceleração da tramitação e a ausência de informações mais concretas a respeito da transformação da Codemig em uma sociedade de economia mista foi questionada por parlamentares da oposição e da base de governo. “A bancada (da oposição) é sempre favorável à presença mínima do Estado, mas não dessa forma rápida, sem discutir com a sociedade, e mais do que isso, sem saber onde o dinheiro vai ser aplicado. Evidentemente que nós não podemos ser favoráveis a isso. Minas está perdendo um patrimônio de forma que não deveria ser exatamente feita”, afirmou o líder da oposição, Gustavo Corrêa.

Já do lado do governo, o primeiro-secretário da Casa, Rogério Correia (PT), defendeu que a proposta, considerada por ele uma medida extrema, deveria ser mais debatida. “Eu achei precipitado fazer a aprovação desse projeto antes de alguns esclarecimentos”. Ele cobrou do presidente da Codemig esclarecimentos referentes aos gastos do governo com a Cidade Administrativa, e à renovação, em 2003, sem licitação, da parceria da Codemig com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) para a exploração de nióbio em Araxá e os termos do contrato que determina a parcela do Estado nos resultados da atividade.

INVESTIGAÇÃO

Caminha a passos lentos no Ministério Público de Minas Gerais um inquérito, instaurado em 2013, para apurar possíveis prejuízos causados pela CBMM ao governo de Minas na exportação de nióbio. A suspeita da promotoria, levantada com base em relatórios produzidos pelo Tribunal de Contas do Estado em 2012 e 2013, é que o mineral esteja sendo vendido a valores subfaturados.

De acordo com o MP, há indícios de que depois que o nióbio deixa o Brasil, as subsidiárias da CBMM em três continentes – na Europa (CBMM Europe BV-Amsterdam), Ásia (CBMM Asia Pte – Cingapura) e na América do Norte (Reference Metals Company Inc.-Pittsburgh)- revendam o mineral para o resto do mundo com valor maior do que o faturado no Brasil, o que reduziria a participação do governo de Minas nos resultados da empresa. O MP também tenta entender como a CBMM, que integra o Grupo Moreira Salles, tem o privilégio de extrair o mineral, considerado um dos mais estratégicos do mundo, sem licitação, há décadas.

A empresa teve o acordo com o governo de Minas Gerais renovado em 2003 por mais 30 anos, onde a Codemig recebe apenas 25% dos lucros da extração do nióbio. Em 2016, o lucro líquido da CBMM foi de R$ 1,7 bilhão, para uma receita líquida R$ 4,5 bilhões. Já o lucro líquido da Codemig em 2016 foi de R$ 230,7 milhões, o que representou apenas 39% do lucro obtido no exercício anterior. A reportagem tentou contato com a promotora que investiga o caso, Elisabeth Villela, da 17ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Belo Horizonte. Por meio da assessoria de imprensa, ela informou que não irá se manifestar.

O Ministério Público de Minas também investiga suspeita de fraude na licitação nas obras da Cidade Administrativa de Minas Gerais, a mais cara da gestão Aécio Neves (PSDB/2003-2010) no governo do Estado, bancada pela Codemig. “A Codemig ter seu nome associado a investigações não é algo que a faz mais interessante para o mercado investidor, mas também não é algo que a gente possa dizer que afeta. Olha, por exemplo, o fato de a Petrobrás estar fazendo hoje uma operação de colocação das ações da BR distribuidora no mercado com grande sucesso, mesmo tendo sido objeto de grandes investigações em passado recente”, destacou Castello Branco.

Governador Fernando Pimentel recebe Do Ba Khoa, embaixador do Vietnã. 20-10-2017- Palácio da Liberdade. Foto: Manoel Marques/imprensa-Mg

BOLSA

A venda deverá ser feita com a abertura de capital da Codemig na Bovespa, mas não se sabe se de maneira pulverizada ou pela chamada de um sócio. O que se sabe é que o Estado pretende fazer uma oferta pública primária de ações. O diretor-presidente da Codemig, Marco Antônio Castello Branco, explicou que para realizar o processo de oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) será necessário apresentar as demonstrações financeiras dos anos de 2015, 2016 e 2017 e, posteriormente, um plano de negócios. “Um plano de negócios que está baseado no trabalho que nós estamos fazendo que é de fortalecimento da empresa, do investimento de mercadorias portadora de futuro, na valorização dos ativos dela, e mostrando que a companhia está procurando deixar de ser dependente só das receitas do nióbio, mas que possui uma grande jazida que é patrimônio dela e está localizada em Araxá”, acrescentou.

De acordo com Castello Branco, há hoje no país uma conjuntura favorável para a abertura de capitais. “Com a taxa de juros caindo, a rentabilidade de títulos está diminuindo e os entes privados estão procurando alocar recursos em outros tipos de investimentos e um dos investimentos que eles estão priorizando são as ações das empresas dos estados em bolsa. Todo o mercado de capitais está reciclando a locação de recursos de títulos de renda fixa, que normalmente são títulos de tesouro ou títulos de dívidas, para as ações de companhias e ações que eles entendem existir grande perspectiva de valorização”, explicou. Existem diversas alternativas de comercialização de ações na bolsa de valores. A expectativa da Codemig é entrar no nível 1 da B3. Isso significa que, no mínimo, 25% do capital da empresa tem que estar comercializada na bolsa, ou seja, cerca de 30 milhões de ações devem ser sempre ofertadas para o mercado.

A participação da Codemig no mercado de capitais não é novidade. Até 2009, a empresa era uma sociedade de economia mista. Em 2008, o entanto governador Aécio Neves (PSDB) solicitou à Assembleia autorização para transformar a companhia em empresa pública com a justificativa de que a estatal assumiria novas competências e que estava se transformando “numa eficiente agência de desenvolvimento do Estado, cada vez mais envolvida com assuntos de interesse exclusivo de seu acionista majoritário”.