Documentos mostram que Vale estudou terrenos evacuados

“Eu monto uma barraca em cima da barragem e moro lá. Aquilo não vai cair”, afirma morador que teve que sair de casa na Vila do Socorro


Por Leticia Villas

Publicado em 30/05/2019

 

Foto: Letícia Villas

Documentos aos quais O Beltrano teve acesso mostram o interesse da Vale em minerar na Vila do Socorro, em Barão de Cocais, que foi evacuada no dia 8 de fevereiro em função do risco de rompimento da barragem de Gongo Soco. Nos documentos, de 2010 e 2011, a Vale pede autorização para realizar estudos espeleológicos e de identificação de cavidades dentro de propriedades particulares da Vila do Socorro. Estes estudos são obrigatórios para aprovação da atividade de mineração junto aos órgãos ambientais do governo estadual. Os documentos foram entregues aos deputados que integram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a tragédia em Brumadinho e que agora estendeu sua atuação também para Barão de Cocais.

 

Moradores ouvidos suspeitam que a Vale tenha interesse na remoção da Vila do Socorro para ampliação da área de mineração de Gongo Soco. Os documentos, assinados por um funcionário do setor de “Aquisição de áreas” da Vale, reforçam essa suspeita..

 

“Já falei com os representantes da Vale que eu levo uma barraca e durmo em cima da barragem; aquilo não vai romper”, desafia o jornalista Carlos Leal, que nasceu e cresceu em Socorro e, desde fevereiro, mora em um apartamento em Santa Bárbara. Ele teve que se mudar junto com todos os moradores das comunidades de Socorro, Piteira e Tabuleiro, que ficam abaixo da barragem de Gongo Soco e seriam atingidas pela lama em caso de rompimento.

 

 

A analista administrativa Élida Couto também desconfia das intenções da Vale de retirar as comunidades. “Sabemos do projeto da mina Apolo, que está parado por causa do tombamento da Serra do Gandarela. Mas o projeto é de longo prazo e a área de exploração se estende de Caeté a Santa Bárbara, e pode haver interesse em continuar nas áreas hoje evacuadas”, disse.

 

Élida diz que representantes da empresa estão usando as reuniões com os moradores evacuados para tentar persuadir proprietários a venderem suas casas e terrenos. “Eles falam que não sabemos quando vamos voltar, que não teremos os mesmos vizinhos e que podemos procurar o escritório para vender o que temos”, conta. Segundo Leal, os psicólogos contratados pela empresa também estão visitando as famílias evacuadas para incentivar a venda dos terrenos.

 

 

“Da Vale podemos esperar qualquer coisa”

 

Em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) no dia 28 de maio, o promotor de Justiça André Sperling comentou o assunto. “Recentemente descobrimos que os terrenos nas áreas de Parque da Cachoeira e Córrego do Feijão, nos acordos que a Vale está oferecendo em Brumadinho, consta que os terrenos serão passados para a empresa. E nós descobrimos que embaixo desses terrenos há uma mina de ferro que é de propriedade da Vale. Então, ela está comprando a superfície para instalar uma mina lá. Faz acordos em um momento de desespero das pessoas com o objetivo de limpar o terreno para explorar a mina que há embaixo. Da Vale podemos esperar qualquer coisa”, afirmou.

 

Em audiência pública realizada em Barão de Cocais na segunda-feira, dia 27 de maio, a deputada federal Áurea Carolina (Psol-MG) afirmou que “a Vale, possivelmente de forma premeditada, fez a evacuação da área porque teria interesse em explorar a mina embaixo das casas dessas pessoas que foram evacuadas e isso é inadmissível, inaceitável e já chegou no limite. O Brasil não pode mais ser um Brasil-Colônia onde tiram as riquezas para vender a um preço muito abaixo do que seria o justo para reparar os danos causados nas comunidades, os danos ambientais e os danos para a vida das pessoas como acontece aqui em Barão de Cocais. Pessoas estão morando em condições precárias porque a Vale passa por cima de tudo”, disse, em entrevista.

 

 

Risco e alerta

 

A Defesa Civil agora admite esta possibilidade de o talude da mina de Gongo Soco escorrer paulatinamente para dentro da cava da mina, e não cair de uma só vez, ameaçando a integridade da barragem, como se temia. Ontem (29/05), o órgão afirmou que não há previsão para que a situação seja normalizada. Nesta quarta-feira (29), o talude alcançou 22,1 cm de velocidade de deslocamento. Este processo de deslocamento até a queda e estabilização pode durar meses, de acordo com a Defesa Civil.

 

Por conta disso, a Vale mantém o nível 3 de alerta, o mais alto, para o risco de rompimento da barragem Sul Superior. “Por isso os planos de emergência e de evacuação estão ativos e a zona de autossalvamento está toda evacuada. Há um risco real de rompimento da barragem. A estrutura é feita de rejeitos e construída pela técnica a montante, o que garante pouca integridade estrutural. Há, de fato, uma fragilidade da estrutura”, afirmou o comandante da Defesa Civil Marcos Pereira.

 

 

Reunião super protegida

 

Na noite de terça-feira (28/05), houve mais uma reunião semanal entre a Vale e os moradores atingidos. A reportagem de O Beltrano esteve na entrada da Universidade Aberta do Brasil (UAB), mas foi impedida de participar da reunião. Um forte esquema de segurança também impede qualquer contato dos funcionários da empresa com a imprensa. Todos os participantes, inclusive os moradores das comunidades, entram na área da UAB – que é longe do centro da cidade – em carros da Vale previamente cadastrados na portaria e com vidros fechados.

 

Segundo os moradores, foi mais um encontro com muita conversa e poucos resultados. A única novidade é que a empresa e a Defesa Civil vão permitir que os moradores voltem às suas casas para pegar documentos e pequenos pertences. A Vale também mostrou o local onde vão ser construídos um muro de contenção e um desvio para a lama.

 

Novamente, as reivindicações financeiras não foram atendidas. A Vale continua se recusando a pagar agasalhos, uniformes de escola, conta de luz e ainda a garantir renda mínima para os afetados.