Matéria da Agência Spotlight mostra como a organização criminosa de Cabral reproduziu esquema do Rio em Minas amparada na lei criada por Aécio


Por Agência Spotlight

Publicado em 24/04/2018

FOTO: MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

Palácio da Liberdade, Belo Horizonte, 16 de dezembro de 2003. Em ritmo alucinante e com celeridade máxima, menos de um ano depois da posse como o 36º governador de Minas Gerais (1°/1/2003), Aécio Neves assina a lei que mais defendeu, símbolo maior de sua promessa de choque de gestão e modernidade. É a Lei Estadual nº 14.868, estabelecendo e normatizando as Parcerias Público-Privadas (PPPs).

A pressa de Aécio Neves em abrir caminhos, normatizando e viabilizando uma participação do setor privado muito mais expressiva fez o ato ser absolutamente pioneiro no país: a Minas Gerais de Aécio foi assim o primeiro estado da federação a ter uma lei de PPPs. Antecipando-se inclusive à União, já que o Brasil só teria a sua regra de PPPs estabelecida um ano depois, com a Lei n° 11.079, em 30 de novembro de 2004.

O então governador sempre gostou de ostentar a paternidade do pioneirismo das PPPs. Em artigo na Folha de São Paulo de 27 de novembro de 2005, Aécio exibia a cria orgulhoso: “Aliás, a lei das PPPs de Minas, assinada em dezembro de 2003, foi o primeiro instrumento dessa natureza no país. Essa postura de vanguarda do Estado despertou o interesse do BID, que disponibilizou recursos a fundo perdido para a Unidade PPP de Minas desenvolver projetos-piloto, para criar mecanismos de garantias e difundir esse modelo de parcerias”.

Obras em profusão ganharam as Minas Gerais. Parcerias com empreiteras se multiplicavam no setor rodoviário, no saneamento básico, no sistema prisional, construção e gestão de campus da Universidade Estadual de Minas Gerais e um novo centro administrativo.

Mas não só. As PPPs eram o caminho para muito mais. A peça de propaganda do governo sobre as PPPs traçava o destino que seria alcançado através das parcerias: “Tornar Minas Gerais o melhor estado para se viver”. As PPPs eram caminho seguro para se “promover o desenvolvimento econômico e social em bases sustentáveis” e assim chegar “a melhora do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)”.

A propaganda é clara: as PPPs eram o pilar da modernidade dos novos tempos.

 

No dia 1º de janeiro de 2007, é a vez de um amigo de quatro décadas de Aécio chegar ao poder em outra poderosa unidade da federação. Muito próximo ao mineiro desde os anos 80, quando militavam juntos na “juventude peemedebista”, Sérgio Cabral chegou a se casar com Susana Neves, prima do amigo. E adentrava o Palácio Guanabara para comandar o estado do Rio.

Assim como o amigo de fé, Sérgio Cabral não demorou nem um ano para aproveitar o caminho aberto por Aécio e instituir e tornar as PPPs como a base de sua gestão. Em 2008, PPPs já eram a marca do seu governo. Consórcios formados em tempo recorde geriam todo o atendimento ao público. Obras se sucediam.

Na chuva de PPPs que alagava Rio e Minas ao mesmo tempo, uma teia com várias pontas em comum unia de novo os amigos de longa data Sérgio Cabral e Aécio Neves.

O vento que no Rio soprava ia bater em Minas. E vice-versa. Levando com ele empresas, empresários e nomes que formavam laços comuns aos dois. Partes fundamentais, como aponta o Ministério Público Federal, na “organização criminosa comandada por Sérgio Cabral para praticar atos de corrupção e lavagem”. Presentes também em Minas.

Na prática, algumas PPPs, cantadas em verso e prosa como símbolo do pioneirismo de Aécio e pilar da modernidade de sua excelência em gestão, foram o gene estrutural de organizações criminosas.

A mais notória interseção entre a dupla é entre os consórcios que exploraram os programas de atendimento ao público nos estados governados pela dupla. Chamado de “Rio Poupa Tempo” no Rio e de “Uai” (Unidade de Atendimento Integrado) em Minas.

O “Rio Poupa Tempo” foi lançado por Sérgio Cabral em 2008. Já o “UAI” é de 2010.

Aécio Neves deixou o governo mineiro em 31 de março de 2010 para concorrer ao senado. Deixou tudo pronto para apenas um mês depois, o sucessor, Antônio Anastasia, atual senador (PSDB-MG), lançar no 1º de maio, dentro do plano de “Parceria Público Privada (PPP), a consulta pública para inclusão, implantação, gestão e manutenção das UAI nos municípios de Betim, Governador Valadares, Juiz de Fora, Montes Claros, Varginha e Uberlândia. A minuta do edital é aprovada em 18 de maio de 2010 e a publicação é feita do Edital 01/2010 é feita em 1º de junho de 2010.

No dia 22 de outubro de 2010, é anunciado o Consórcio Minas Cidadão Centrais de Atendimento como vencedor. Valor do contrato: R$ 310.121.048,00 (trezentos e dez milhões, cento e vinte um mil e quarenta e oito reais). Das cinco empresas que formaram o Consórcio Agiliza, gestor do “Poupa Tempo” no Rio com Cabral, três estão presentes na formação do vencedor da disputa mineira.

O “Agiliza” aparece denunciado em operações de desdobramentos da Lava Jato no Rio.

As cinco empresas que formaram o Agiliza, consórcio vencedor com Sérgio Cabral:Shopping do Cidadão Serviços de Informática, CEI Shopping Centers, Gelpar Empreendimentos e Participações, B2BR- Business to Business Informática do Brasil e Prol Soluções.

 

As três empresas que estão em comum nos dois consórcios:

Shopping do Cidadão Serviços de Informática

Gelpar Empreendimentos e Participações

B2BR- Business to Business Informática do Brasil

(Reportagem segue depois dos documentos abaixo)

 

Dessas três empresas em comum que compuseram o Consórcio Agiliza (RJ) e o Minas Cidadão Centrais de Atendimento, uma em particular desponta como elo maior entre Aécio Neves e Sérgio Cabral: a Gelpar Empreendimentos e Participações.

A Gelpar pertence a Geoge Sadala, integrante da “Turma do Guardanapo”, preso na “Operação C’est Fini”, em 23 novembro de 2017 e solto alguns dias depois, em 13 de dezembro. Na denúncia do MPF-RJ, Sadala é citado pelo “vertiginoso aumento dos bens e direitos declarados, saltando de R$ 1.414.369,57, em 2007, para R$ 35.662.925,49, em 2016” na gestão do ex-governador Sérgio Cabral, de quem é apontado como “operador financeiro dentro da organização criminosa comandada”.

As conexões entre pessoas comuns a Aécio Neves e Sérgio Cabral nos esquemas “Poupa Tempo” e “UAI” não ficam apenas em George Sadala.

De acordo com os documentos obtidos pela Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo através da Lei de Acesso à Informação do Estado de Minas Gerais, há um outro nome com notórios vínculos no círculo de Aécio, Cabral e Sadala.

Na Ata de Assembleia de Constituição do Minas Cidadão Centrais de Atendimento, de 30 de novembro de 2010, aparece José Luiz Volpini Mattos como diretor financeiro do consórcio. Que é sócio de Alexandre Accioly na Quatro/A Participações, controladora, entre outras, da academia Bodytech.

Alexandre Accioly é compadre de Aécio Neves e do círculo mais íntimo do atual senador.

 

O dono da Bodytech foi citado pelo ex-diretor da área de energia da Odebrecht, Henrique Serrado do Prado Valladares, como intermediário de propinas pagas a Aécio Neves. De acordo com a delação, o pagamento teria ocorrido em troca de apoio ao consórcio da Odebrecht com a Andrade Gutierrez que disputou o leilão das usinas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira. Segundo ele, uma das parcelas do pagamento teria sido transferida a conta associada a Accioly e registrada em Cingapura, no Sudeste Asiático.

Pelas delações de Valladares e também de Marcelo Odebrecht, o apoio de Aécio Neves ao consórcio valeu R$ 50 milhões, sendo que R$ 30 milhões teriam ficado a cargo da Odebrecht e R$ 20 milhões da Andrade Gutierrez. Em dezembro, Accioly confirmou o repasse, mas negou se tratar de propina, e sim investimento da Andrade Gutierrez na rede de academias. A empreiteira negou qualquer participação na rede de academias.

Em 2007, George Sadala, ainda iniciando seu processo vertiginoso de enriquecimento, foi o anfitrião de casamento de alto luxo na Candelária e festa no Copacabana Palace. Aécio Neves e Alexandre Accioly foram padrinhos. Cabral estava na primeira fila, como conta reportagem da Revista Caras daquele mês. E representado no altar pelo filho, pajem junto com o primogênito de Accioly.

Na foto, George Sadala é a interseção entre Aécio e Cabral. Da esquerda para a direita: Aécio Neves, a ex Andréa Falcão, George Sadala, Adriana Ancelmo e Sérgio Cabral

De acordo com denúncia do MPF-RJ, Alexandre Accioly “está envolvido em operações suspeitas com George Sadala”, dupla que, para a instituição, tem “estranhos vínculos patrimoniais”, citando ainda “operações imobiliárias suspeitas e empréstimo não justificado”.

OUTRO LADO:

Aécio Neves:

A reportagem enviou questões referentes aos eventuais vínculos do senador Aécio Neves no Consórcio Minas Cidadão Centrais de Atendimento, que, através da assessoria de imprensa, enviou a resposta abaixo:

R- “A implantação das unidades UAI em Minas, por meio de PPP, não foi centralizada em uma única licitação, não tendo havido, portanto, uma “empresa vencedora de licitação para a PPP nos projetos do UAI, em MG”, como afirma a pergunta enviada. O projeto foi implantado em diferentes fases com processos de concorrência realizados separadamente.A licitação vencida pelo consórcio Minas Cidadão Centrais de Atendimento S/A, que tinha entre seus integrantes o sr. José Luiz Volpini Mattos, teve edital lançado em 01/06/2010. Portanto, período posterior à gestão do governador Aécio Neves.É importante registrar que os contratos firmados pelo Estado tiveram o aval do Banco Mundial e incluíram cláusula de verificação por auditoria externa, tendo ainda os editais de licitação sido submetidos ao Ministério Público”.

Alexandre Accioly:

A reportagem enviou questões para o empresário através da assessoria de imprensa referentes ao tema acima e recebeu como resposta:

 “Não haverá resposta aos seus questionamentos”.

Antônio Anastasia:

A reportagem enviou questões ao senador do PSDB-MG e governador na época da PPP através da assessoria de imprensa referentes ao tema acima e não recebeu resposta.

José Luiz Volpini:

A reportagem tentou contato, sem sucesso. Caso venha a ser feito contato, será publicada a resposta.

George Sadala:

A reportagem não conseguiu contato com George Sadala. Caso venha a ser feito contato, será publicada a resposta.