Sofia Feldman no CTI

Distribuição da verba de gestão tripartite do SUS deixa dúvida sobre responsabilidade no déficit do hospital.


Por Petra Fantini

Hospital Sofia Feldman/Divulgação

O Hospital Sofia Feldman, maior maternidade do país, vive sua maior crise. Nenhum trabalhador recebeu o 13º salário do último ano, uma unidade de tratamento intensivo (UTI) com 10 leitos está fechada e funcionários da enfermagem estão em greve. Porém, encontrar o responsável pelo déficit orçamentário é um desafio.

Instituição privada sem fins lucrativos, o Sofia Feldman só atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em doze meses, de julho de 2016 a junho de 2017, realizou 10.500 partos, dos quais 34% foram de alto risco. No mesmo período, foram quase 3 mil internações a neonatos.

O hospital é a maior referência no atendimento a gestantes em Minas Gerais. É responsável por 6% dos partos realizados no Estado, e de 20% dos partos da Macrorregião Centro. O atendimento a não residentes em Belo Horizonte alcança 55%, enquanto que na atenção neonatal este índice chega a 73%.

Estes dados estão no Ofício SMSA EXTER nº 0795 2017 , de 30 de outubro de 2017, enviado pelo secretário municipal de Saúde, Jackson Machado Pinto, ao secretário de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde, Francisco de Assis Figueiredo.

Segundo o ofício, desde 2013 não são reajustados os valores pagos pelos principais procedimentos hospitalares, tanto pelo pelo Estado quanto pela União. Isso fez o Sofia Feldman mergulhar, a partir de 2015, um ciclo de déficit financeiro contínuo.

O estrutura de gestão do SUS segue o modelo tripartite, isto é, compartilhada entre a União (que estabelece as diretrizes das políticas de saúde) e os estados e municípios (responsáveis pela execução dos serviços, bem como por toda a organização da rede de assistência à população local).

 

Hospital Sofia Feldman/Divulgação

Jackson afirma no ofício que “o desequilíbrio econômico do hospital é crônico e encontra-se relacionado ao desarranjo estrutural do financiamento federativo do SUS”. As aplicações constitucionais mínimas obrigatórias de cada esfera de governo, diz no documento, não seriam suficientes para fazer face às despesas necessárias à manutenção do sistema. “É de conhecimento amplo que as esferas federal e estadual não conseguiram, ao longo dos cinco últimos anos, estabelecer recomposições reais no custeio do sistema”, afirma o secretário municipal.

O custo de operação da maternidade é, hoje, de aproximadamente R$ 6 milhões por mês. Já as receitas do SUS giram em torno de R$ 4,6 milhões por mês. O déficit mensal, portanto, é de R$ 1,4 milhão. Esse montante equivale ao custo de 200 partos por mês e a 50 internações de neonatais. E o Sofia possui o menor custo por parto entre as maternidades de Belo Horizonte.

 

A Prefeitura de Belo Horizonte havia proposto, em fevereiro, assumir a direção administrativa e financeira do hospital. Entretanto, quando o Conselho Curador da Fundação de Assistência Integral à Saúde (Fais), que gere a instituição, e o Colegiado Diretor do Hospital solicitaram ao prefeito Alexandre Kalil uma proposta formalizada da parceria, ele retirou a oferta.

Não foi dada nenhuma justificativa para à desistência. Kalil apenas se desculpou, em carta, “pelo atrevimento de propor uma ajuda espontânea, de boa fé, e até mesmo extemporânea para resolver definitivamente a pequena crise momentânea” (Carta de Alexandre Kalil). Procurado pela reportagem, o prefeito não respondeu à reportagem de O Beltrano por ter desistido da intervenção, segundo a assessoria da PBH.

Mesmo com a retirada da proposta, na última semana (13 de março), uma audiência pública realizada na Câmara Municipal de Belo Horizonte discutiu os possíveis impactos da municipalização do modelo de parto humanizado implementado pelo Sofia Feldman. As questões sobre o financiamento da instituição seguem para votação na Comissão de Saúde e Saneamento e, posteriormente, a Prefeitura de Belo Horizonte terá prazo de até 30 dias para se posicionar.

Hospital Sofia Feldman/Divulgação

Respostas

Em março, a Fais enviou ao Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde relatório com demonstração de origens e fontes de financiamento federal, estadual e municipal recebidos pela Fundação em 2017 (Relatório Auditoria DENASUS). No documento, a distribuição dos recursos do último ano nas três esferas se dá da seguinte forma: o governo federal repassou R$ 50.340.325,49 (86,75%); o estado, R$ 7.335.673,31 (12,65%); e, por fim, o município forneceu R$ 350.899,37 (0,60%).

Questionado sobre o ofício do secretário municipal, o Ministério da Saúde afirmou, em nota, que “todos os recursos federais estão rigorosamente em dia, de acordo com as pactuações com todos os estados e municípios brasileiros, e são crescentes”. Os fundos enviados pelo governo federal são gerenciados pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e incluem todas as unidades hospitalares da região, inclusive o Hospital Sofia Feldman.

Já a Secretaria Estadual de Saúde (SES) respondeu, também por nota, que “mesmo com a atual crise financeira enfrentada pelo Estado, a SES tem priorizado a liberação de recursos para o Hospital e em março de 2018 foi repassado o valor total de R$ 1.365.884,84”. Além disso, em dezembro de 2017 foi publicada a Deliberação CIB-SUS/MG Nº 2.645, que prevê a incorporação de recursos ao teto de Média e Alta Complexidade do Município de Belo Horizonte para a recomposição dos valores de custeio do Hospital Sofia Feldman. “A SES/MG está em articulação junto ao Ministério da Saúde para garantir a aplicação e a operacionalização dessa Deliberação”, continua o texto.

Tatiana Lopes, integrante do Colegiado Diretor e da Linha de Políticas Institucionais do Hospital, contesta a versão da Secretaria Estadual. “Tem R$ 6 milhões para receber que estão faltando, de serviços já feitos, e o estado alega não ter condições financeiras para cumprir isso”, afirma. A discussão promovida hoje em instâncias como a Câmara Municipal e o Ministério Público tem, portanto, o objetivo de conseguir uma contrapartida da Prefeitura e um aumento do repasse do Estado para financiar o hospital.

Hospital Sofia Feldman/Divulgação

“Quando a prefeitura fala que o repasse está em dia é porque, como ela é gestora plena (do SUS), o dinheiro tem que vir via Secretaria Municipal de Saúde, que o encaminha para o hospital”, diz Tatiana. O valor de R$ 350 mil disponibilizados pelo município é apenas um incentivo a cirurgia eletiva, e de acordo ela não cobre todos os partos de Belo Horizonte realizados pelo Hospital. Segundo informações do Sistema de Gestão de Cadastro de Pacientes (SGH), o Sofia Feldman atendeu em 2017 46% de mulheres de Belo Horizonte na assistência ao parto e 35% de recém-nascidos em cuidados neonatais.

A assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Saúde disse que os recursos das três esferas de governo ficam no fundo único hospitalar, e que a distribuição do dinheiro não segue proporções definidas, por isso a porcentagem de 0,60%. Um hospital pode receber mais verba municipal, estadual ou federal, mas o montante final repassado é sempre compatível com os gastos da instituição, exemplifica a pasta. Segundo ela, 33% do fundo hospitalar é composto por verba da prefeitura, ultrapassando o mínimo constitucional de 25%.

A única previsão de outros repasses por parte da prefeitura é o adiantamento de recursos. O órgão não sabe dizer de onde vem o déficit de R$ 1,4 milhões/mês. A proposta inicial de intervenção incluiria um profissional da prefeitura dentro do Sofia Feldman justamente para avaliar esse desfalque.