Relembrar Wander Piroli

O Beltrano entrevistou Fabrício Marques, que lança livro sobre o escritor e jornalista mineiro


Por André Nigri, José Antônio Bicalho e João Barile

Foto: Wilson Avelar

Tendo escrito pouco e publicado menos ainda, Wander Piroli corria meio que por fora na pista da pujante produção ficcional belo-horizontina, que entre as décadas de 60, 70 e 80 revelou velocistas admiráveis em narrativas de tiro curto como Sérgio Sant’Anna, Luiz Vilela, Jaime Prado Gôuvea e Roberto Drummond, para ficar em alguns exemplos.

Preso à castradora rotina das redações, esse calabrês montanhoso com um bigode de vilão mexicano lembrava outro distante colega seu que também se vira manietado ao massacre das notícias no início da carreira, Ernest Hemingway. Semelhança não somente física, pois Piroli considerava o autor de “A Vida Breve e Feliz de Francis Macomber” um modelo a ser seguido – não copiado – de concisão, brevidade e clareza. Isso para não mencionar a lâmina afiadíssima para os diálogos e para os títulos das obras e, no caso do mineiro, das matérias que editava, fossem elas de polícia, comportamento ou colunas sociais.

Foi nas coleções dos diários e semanários, nos testemunhos de escritores e jornalistas e na leitura atenta da obra que Fabrício Marques colocou de pé o artista corpulento sem ungi-lo santo. Uma homenagem à altura até no título pinçado de uma fala do Wander: “Uma Manada de Búfalos Dentro do Peito”.

Coincidentemente, essa entrevista foi marcada por O Beltrano no bar/sinuca Brunswick, no alto da Afonso Pena, um dos points favoritos do boêmio Wander Piroli, conforme nos contou Fabrício Marques.

SERVIÇO:

O que: Lançamento do livro ‘Wander Piroli – Uma Manada de Búfalos Dentro do Peito’

Quando: Quinta-feira (21/06), quinta-feira, 19h30

Onde: Galeria de Arte BDMG Cultural

 

Então, vamos tomar uma cervejinha em homenagem ao Piroli!

E ele vinha aqui!

Aqui onde?

Neste lugar em que estamos, no Brunswick. Ele frequentou demais esse lugar depois que se aposentou.

Você não acha que o Piroli escreveu pouco para o talento que tinha?

Olha, muitos dos que entrevistei me disseram que quando o Piroli estava escrevendo, se passassem os amigos e dissessem “vamos jogar bola, vamos jogar sinuca, vamos beber”, ele não pensava duas vezes. Claro que tem o lado de ele realmente adorar literatura. Mas ele lança “A Mãe e o Filho da Mãe” em 1966, reunindo uma produção de 15 anos. Nesses 15 anos ele nunca havia pensado em lançar o livro, foi o Jacob Cajaíba, um publicitário que trabalhou com ele no Binômio, que falou: “você tem que publicar o livro, cara!”

Ele era jornalista, né! O sujeito trabalhava muito e enchia a cara, então não tinha tempo… Mas acabou fazendo muito sucesso (na literatura).

Foi um golpe do destino. Em 1975, o André Carvalho sugere para ele fazer “O Menino e o Pinto do Menino”. Ele nem pensava nisso, mas fez e estourou. Então, ele começa a ser convidado para falar, e era muito tímido.

Você lembra (no livro) de uma entrevista para o Pasquim, em 76, com o Jaguar e o Ivan Lessa, na qual ele não se sentiu muito à vontade.

Isso, foi uma entrevista gigante, que saiu numas 8 páginas.

E como ele era visto aqui (em Minas) pelas igrejinhas literárias? Ele não participava muito disso, né?

Ele não participava. Aconteceu uma coisa interessante, que mostra como ele estava fora (das igrejas literárias): “A Mãe e o Filho da Mãe” foi lançado em 66, mas só saiu uma resenha, no Suplemento Literário do Minas Gerais, do Wilson Castelo Branco, e não saiu mais nada.

Mas, mesmo fora, ele influenciou seus amigos. Ele teve uma participação importante na vida do Jaime (Prado Gouvêa) por exemplo…

O “Fichas de Vitrola” (livro de estreia de Jaime) só existe porque o Wander pegou o livro na gaveta do Jaime e mandou para o Pedro Paulo de Sena Madureira, da editora Guanabara. Aí ele publica o livro. O Pedro fala que descobriu duas pessoas importantes: a Adélia Prado e o Jaime Prado.

Mas minha pergunta era se ele ficava pouco à vontade nos círculos literários de Minas do final dos anos 60, qual a relação dele com essa geração Suplemento…

Interessante você perguntar isso, porque mesmo nos anos 70 ele andava mais com os jornalistas do que com os escritores. E, se ele andava com escritor, é porque o cara era também jornalista. Era a turma dele, que ele preferia… A verdade é que ele não gostava esse mundinho literário. Isso não era tipo, era ele mesmo. Nesse sentido, eu concordo com você: claro que ele gostava muito de escrever, mas ao mesmo tempo…

Será por causa disso que ele vivia numa espécie de ostracismo?

Mas ele não estava preocupado com isso…

Mas se criou uma mitologia em torno dos contistas mineiros nos anos 60 e 70, que ganhavam prêmios…

Também o próprio Piroli, com a segunda edição de “A Mãe e o Filho da Mãe”, que saiu acrescida de três contos que tinham sido premiados no prêmio do Paraná. Naquela época, era o de maior prestígio no país. Agora, uma coisa interessante que descobri relendo os livros do Wander: todo mundo falava que o Luiz Vilela era o rei do diálogo, mas se você ler os livros do Wander, ou ele está no mesmo pé ou está acima.

Me diga uma coisa, você que escolheu Wander Piroli? Ou foi encomenda do editor?

Fui eu. Deixa eu te contar. Em 2011, eu trabalhava no Suplemento Literário de Minas Gerais, quando o Jaime (Prado, atual diretor do SLMG) fez uma edição especial sobre o Piroli, um número só para ele. Eu li e gostei muito. Eu já conhecia o Wander de coisas esparsas, um conto e tal, e o Jaime falava: “o Piroli é bom demais, e não sei o quê”. Aí eu fiquei interessado. Percebi que ninguém falava mais dele. No final de 2016, o Jose Eduardo Gonçalves (editor da coleção Perfis de Beagá) me procurou e me convidou para escrever um livro para essa coleção. Dessa coleção já haviam saído dois números…

Quais foram os outros dois números?

Hugo Werneck, o médico, e o outro, do Fritz Teixeira de Salles (escritor, historiador e ensaísta). É uma coleção de personalidades, não necessariamente escritores. Aí eu estava com esse negócio de Wander na cabeça, mas conhecia muito pouco ainda sobre a obra dele. Cheguei para o Zé (Eduardo) e disse: “ô Zé, vamos falar sobre o Wander Piroli”. Ele topou na hora: “o Wander é bom e tal”.

É um cara bom para perfil porque tem uma obra literária de peso, uma participação no jornalismo importante, e também era uma personalidade da cidade, um cara boêmio…

Exatamente, ele é um personagem mesmo. E é uma coisa legal do livro, essa ênfase mais no lado jornalístico. Quer dizer, tem muito da literatura, mas mostra muita da atuação dele no jornalismo. Eu acho que a morte do Piroli, não sei se estou exagerando, simboliza um pouco a morte desse jornalismo de que a gente fez parte, mais romântico, mais focado na busca da verdade, sucedida por um contexto em que a gente ainda está no meio do redemoinho. Algo totalmente anti-jornalismo. Quando ele morre, estamos na transição de perder totalmente o prestígio. Então, a morte dele coincide com essa mudança de percepção tanto da literatura quando do jornalismo… É como se fossem os últimos momentos desse jornalismo e dessa literatura. Não que ele represente esse jornalismo e essa literatura, mas ele é um dos personagens que fizeram parte desses dois campos.

Ele parou de trabalhar no final da vida?

Ele aposentou-se.

Você falou muito do Suplemento, mas ele tem uma passagem marcante pelo Estado de Minas…

Mas depois ele cai em desgraça por lá. Na verdade, o Wander foi demitido de todos os jornais em que ele trabalhou. O único em que ele pediu demissão foi o Suplemento Literário. Até o Jaime conta essa história. O Jaime pega o Minas Gerais certo dia de 1975 e lê: “O Suplemento vai sofrer uma reformulação”. Ele pega o jornal e vai lá no Suplemento: ‘Ô Wander, o que é isso aqui?”. Aí o Wander: “não estou sabendo disso não”. Pega o jornal e vai lá no diretor, um tal de Caetano, e pergunta: “O que que está acontecendo aqui?”. “Ah, a gente vai fazer umas reformulações aqui”. Aí ele pede demissão. Ele manda uma carta em que se destaca a afirmação: “Eu não tenho vocação para coveiro cultural”, e sai atirando. Daí muita gente manda telegrama para ele, a Clarice Lispector, o Antonio Callado, mas mandam ao mesmo tempo para o Aureliano Chaves (então governador de Minas). Então você vê que tinha gente articulando para ele ficar. O Angelo Oswaldo (atual Secretário de Estado da Cultura) também manda uma carta de apoio ao Wander.

Agora, por que ele era demitido dos jornais?

Em 1962, o Wander começa a trabalhar no Binômio. É uma história legal porque ele se formou em direito, mas ele detestava ser advogado. Era advogado trabalhista, entendeu… Ele precisava de grana para sobreviver.

Mas conta por que que ele saía dos jornais. Acho que a história do Jornal de Shopping é a melhor, para resumir o caso.

Foi assim, o Wander começou a trabalhar no Estado de Minas como editor de polícia, e ficou 9 anos. Em 77, a equipe dele já tinha ganhado um prêmio Esso. O Wander tentava fazer matéria contra a ditadura e publicou várias. Ele falava assim: “A gente publica hoje e amanhã vê o tamanho do pênis”. Mas aí os caras ficavam com raiva dele, e ao mesmo tempo respeitavam muito.

Mas e o Jornal de Shopping?

Isso aconteceu em 79. Nessa época, tinha o Jornal de Casa, que fazia muito sucesso, editado pelo Guy de Almeida. Estava pegando mercado e o Estado de Minas ficou muito incomodado. Então, eles propuseram fazer o Jornal de Shopping, que era para concorrer com o Jornal de Casa, um jornal de prestação de serviço, falando de amenidades. E quem eles convidam para ser o editor? O Wander. Os caras falaram para ele: “Quero o jornal assim e assado”. Ele falou: “Perfeitamente”. Só que ele fez um jornal super-batedor.

Longas reportagens…

A primeira matéria, do número 1, falava dos agrotóxicos nas verduras. Mas tinha anunciante da Ceasa… Ele batia até nos anunciantes. Aí o Estado de Minas ficou louco, queria o jornal de um jeito e o cara fazendo um jornalismo puro, cheio de reportagens e tal. Esse jornal durou dois anos. Até que o Estado de Minas fechou o jornal sem avisar para ele. O Wander e sua equipe fizeram o jornal num dia, no início de 82, e foi todo mundo para casa. Quando o jornal chegou no domingo (era um semanário) tinha uma carta ao leitor dizendo que era o último número. Então o Wander caiu em desgraça no Estado de Minas, foi demitido. Ele trabalhou 9 anos como editor de polícia e depois 2 anos como editor do Jornal de Shopping. E sempre ía trabalhar desse jeito, às vezes com a camisa toda aberta, com o som, o rádio tocando música italiana, e ele tomando todas.

E na Última Hora de Belo Horizonte?

Isso foi antes. Ele começou lá, nos anos 60. Era uma edição mineira (do carioca Última Hora). Eu conversei também com o Jânio de Freitas, porque o Jânio era o editor no Rio. Ele não conheceu o Wander pessoalmente mas falou que a edição mineira era bem respeitada.

Ele não recebeu um convite para trabalhar no Rio? Por que ele não foi?

Ele até chegou a ir lá, mas era muito ligado a Belo Horizonte. O Wander era muito bicho do mato. Ele gostava do Rio para passear, mas disse “ah não, quero ficar em Belo Horizonte mesmo”. Outra demissão foi no Binômio, mas porque foi fechado pela ditadura.

Agora, politicamente, como ele era?

Alguns amigos falaram que no início ele foi comunista. Ele foi até fichado no Dops.

Tem o caso do Graciliano…

Ele era muito fã do Graciliano Ramos, ele e o Sebastião Nery. O Sebastião Nery, que depois ficou famoso como jornalista político, mas naquela época ele estudava filosofia. Os dois foram visitar o Graciliano no fim da vida do escritor, dois meses antes de ele morrer. O Graciliano estava deitado, com o pulmão detonado. Ele levanta, põe a mão na cabeça dos dois e diz: “meus filhos, não posso conversar muito, mas valeu por vocês terem vindo e tal”. É uma cena bonita. Quem contou foi o próprio Sebastião Nery. O Wander nunca contou essa história. Só falava que era muito fã do Graciliano. Tanto que ele falava que até os 14 anos achava literatura muito chato, porque ele só lia Coelho Neto. Aí um dia achou Graciliano Ramos e disse: “Nossa, então pode escrever assim? Não sabia”.

E a Lagoinha (tradicional bairro de BH) na obra do Wander?

Ele viveu 27 anos na Lagoinha, e dizia que seus amigos lá eram só caras que jogavam bola. Ninguém gostava de literatura. Quando casou e formou, em 1958, ele vai para o Floresta. Nunca mais ele voltou lá na Lagoinha, mas toda obra dele sempre cita o bairro. A Lagoinha está sempre presente. Essa Lagoinha que ele viveu, né, que depois virou outra coisa.

Mas, voltando na questão da posição política…

Ele nunca falou “sou comunista”. Não tem entrevista dele se posicionando. Ele era muito assim, um anárquico, sabe… E ele ficava sempre do lado da minoria. Então, eu vejo ele mais como um socialista democrata. Mas se você olha as edições dele, ele era um cara muito virulento e de esquerda.

A única coisa além de conto que ele fez foi um romance, né?

Esse romance foi publicado já postumamente. Ele escreveu nos anos 90. É bem escrito, mas não se compara aos contos. É uma história de classe média, um cara que é bancário e está de mal com a vida. Mas eu acho que ‘A Mãe e o Filho da Mãe’ é um clássico assim, irretocável. Todos os contos são bons. ‘Minha Bela Putana’, que ele publicou quase 20 anos depois, também tem uns contos muito bons. Mas o grande livro dele é ‘A Mãe e o Filho da Mãe’. Depois fica um pouco desigual. ‘A Máquina de Fazer Amor’ traz uns contos que sobraram, é um livro que sai em 1980, mas com contos que foram escritos em 1952, 66.

O acervo dele está na UFMG?

Está na UFMG e é muito bom. A família também ficou com muita coisa fantástica.

Acervo de inéditos?

Os inéditos estão todos com a família. Quando ele morreu, deixou 18 livros inéditos. Desses 18, cinco já foram publicados. Lá na UFMG você vai ter muitas cartas. Por exemplo, as cartas com o (escritor paulista) João Antônio. Eles comparam muito o João Antônio com o Wander, no sentido de falar dos oprimidos, dos excluídos, os dois gostavam de uma cana também.

Que isso! Então os dois se correspondiam?

Sim, eles eram amigos. Tem até uma foto deles no livro. Tem uma coisa curiosa também. Quando surgiu a revista Realidade, e o Mineirão foi inaugurado, em 1965, ela contratou o João Antônio para escrever uma matéria sobre um jogo do Cruzeiro e Atlético. Ele vem, mas ainda não conhecia o Wander. Mas chama o Wander, o Roberto Drummond e o (professor e crítico literário) Fábio Lucas. Mas olha como era a personalidade do Wander: ele não falou para o João que já tinha publicado “A Mãe e o Filho da Mãe”. Entendeu? Ele não dá o livro para o João Antônio, mesmo sabendo que ele era escritor. Só em 1975 eles começam a correspondência, quando o Wander lança “O Menino e o Pinto do Menino”, que foi um grande sucesso, estourou, passou no Fantástico.

Pois é, acabou estourando com um livro infantil…

O negócio é que os livros do Wander para crianças são para adulto também. Porque eram vendidos como se fossem para crianças, mas “O Menino e o Pinto do Menino” tem a cena em que o pai toma pinga. E em “Os Rios Morrem de Sede”, a última frase é “fedaputa”. E é um livro para criança, entende? O livro termina com palavrão. Imagina isso em 75/76, naquela onda conservadora.

Mas estourou…

Quando o Fernando Brant leu essa história ele ficou tão emocionado que pegou uma pinga e levou lá na redação do Estado de Minas – isso em 76 – para o Wander. “Ô Wander, isso aqui é porque eu li sua história e adorei, trouxe uma pinga procê”.

Ele publicou “O Matador”?

Póstumo. “O Matador” também é uma história genial para criança, pequenininha, sobre o menino que queria matar um pardal. Saiu primeiro pela editora Leitura, daqui. Aí mais recentemente a Cosac relançou.

Quando a Cosac relança não gera repercussão fora de Minas Gerais?

Então, a Cosac começou (a publicar Wander) em 2015. Eles produziram coisas de divulgação, não sei o que, mas um mês depois a Cosac fecha. Foi azar, porque foi logo em seguida. Eles publicam e dois meses depois fecham.

Ele também trabalhou no Sol, né? Aquele jornal da música do Caetano… “o Sol nas bancas de revista…”

Isso, na edição aqui de Belo Horizonte. Primeiro foi o Binômico, depois o Última Hora e depois o Sol. O Wander gostava de fazer títulos com trocadilho, até mesmo sexual. Uma vez os russos vieram jogar contra o Atlético e o título era “Galo faz mal à Rússia”. Ele fazia um jornalismo meio anárquico, perdia amigo mas não perdia a piada, esse tipo de coisa. Por isso ele era demitido. Os caras pediam para maneirar, mas ele não maneirava.

Mas no Binômio era diferente, né?

Uma coisa legal foi o Zé Maria (Rabelo, editor de O Binômio) quem me contou. O primeiro emprego do Wander foi no Binômio. Em duas semanas que o Wander estava lá, como repórter, sem nunca ter tido experiência como jornalista, o Zé Maria o convidou para ser o redator-chefe. Ele falou: “Ô Zé Maria, você é um irresponsável de me convidar, e eu sou irresponsável de aceitar”.

E o Hoje em Dia?

Foi o último jornal em que ele trabalhou, em 88. O nome foi ele que criou. O Wander foi convidado para ser diretor-presidente do Hoje em Dia. A proposta era do Newton Cardoso (governador e dono do jornal na época). Ele vira para o Newton e fala: “eu sou comunista e cachaceiro”. Aí o Newton: “é exatamente isso que eu tô procurando”. Ele monta o jornal e fica muito entusiasmado, porque ele queria fazer um jornal mais popular, trazendo, por exemplo, uma seção de sexo.

E essa seção de sexo?

Era uma página inteira, chamava “Sexos, sem tirar nem pôr”. A primeira matéria já trazia no título: “Só ejacula quem é trouxa”. E era diária, saía todo dia essa coluna…

E o que que era essa primeira matéria?

Era no sentido de valorizar o ato sexual, quanto mais o orgasmo demorava a acontecer, melhor.

Um guia sexual?

Nada… tinha de tudo. Tinha uma matéria do cara que transou com um extraterrestre, umas coisas malucas assim. O jornal passou a ser vendido com tarja e plástico fechado, só podia abrir quem comprasse. O Wander disse certa vez que a própria redação, que era de gente jovem mas conservadora, ficava constrangida e não gostava dessa seção. Não sei se foi por causa dessa seção, mas sei que o Newton Cardoso detestou o jornal. O jornal saiu, eu acho que em abril de 88, e em agosto o Wander já estava fora. Foram só cinco meses.

Acha que o Wander se inspirou no João Antônio?

Os estilos são muito diferentes. O do Wander é muito seco, mais conciso. Eu brinco que até o nome dele é conciso, Wander Piroli. O próprio nome é de um cara que não tem adjetivo, só substantivo. O João Antônio tem outro estilo. Mas quem faz uma comparação boa é o Tião Nunes, que tem uma resenha na qual compara o Wander com o Dalton Trevisan. E não pelo texto, mas pelo tema. Eles sempre falam de pessoas sem eira nem beira etc. Mas o Tião afirma que, enquanto o Dalton Trevisan é cruel com os personagens, o Wander tem amor pelos personagens, tem mais ternura. Então ele fala de um “humanismo radical”.

E a boemia do Wander?

Ele era um boêmio assumido, mas valorizava muito a família. E tinha uma resistência impressionante. Bebia 24 horas mas não ficava bêbado. Era assim, de segunda a sexta ele trabalhava o dia inteiro e depois ia para os bares encher a cara. Voltava para casa 4h, 5h da manhã. Acordava às 8h e ia trabalhar de novo.

Por ser um cara boêmio, o livro acaba funcionando meio como uma cartografia dos botequins da época de Belo Horizonte…

A pretensão desse livro é ser um perfil, e não uma biografia. Mas é que ele é um personagem que se confunde muito com a cidade. A ideia é essa. É um livro que conta um pouco da Belo Horizonte entre os anos 60 e 80, da vida boêmia, do jornalismo e um pouco da literatura. Mas, como ele não andava com os literatos, isso ficou um pouco de fora.

Mas fala um pouco dos botecos…

Ó, aqui (no Brunswick) foi bem mais tarde. Ele ficava mais aqui depois que se aposentou, nos anos 80. Ele frequentava muito o Montanhez. Mas têm muitos, são bares que nem existem mais. Nos anos 60 havia o Mocó da Iaiá. Muitos bares eram perto da Praça Raul Soares, do Mercado Central, da região central da cidade.

E a relação do Wander com as mulheres?

Numa entrevista, por ocasião do lançamento de ‘Minha Bela Putana”, em 1984, ele afirmou que a mulher era disparadamente melhor do que o homem. O Wander disse assim: “Eu acho que nós somos uns suínos. Nós não fomos treinados para esta coisa superior a nós que se chama mulher”. Ele era fascinado pelas mulheres.