Sexto dia – O canal também é diversão

O diário da expedição à transposição do São Francisco mostra que os reservatórios se transformaram em piscinas


16/05/2017

Por Bruno Moreno

Próximo do anoitecer do dia anterior eu havia conhecido Jurandir Silva, o Dodó, morador de Sertânia (PE). Ao conversar comigo, Dodó se emocionou e disse como a realidade da região mudou nos últimos meses.

– Isso nunca tinha acontecido.

– O que? Esse tanto de água?

– Também. Mas nunca tinha vindo gente de tão longe, como você, aqui pra nossa cidade. Agora a cidade tá ficando conhecida.

Fã incondicional do ex-presidente Lula, ele aproveitou o sábado para se divertir com amigos e família à beira do reservatório Barreiro, aquele que estourou no começo de março e deixou milhões de litros vazarem.

Sertânia fica distante 30 quilômetros de Monteiro, já na Paraíba, onde o eixo leste do canal da transposição termina. É lá que as águas do São Francisco encontram com a bacia do rio Paraíba e seguem por seu leito, que antes estava seco, até o açude do Boqueirão, próximo a Campina Grande.

Decidi pernoitar em Monteiro para, no dia seguinte, conhecer a última estação de bombeamento, a EBV6, os dois últimos açudes (ainda em Pernambuco) e os dois túneis que encerram o eixo leste da transposição.

Já no domingo, no reservatório Campos conheci Edilma da Silva, 38 anos. Quando a água chegou, em março, ela montou uma barraquinha na margem onde vende churrasquinho, cerveja, cachaça e refrigerante aos fins de semana. Moradora de Sertânia, nos dias úteis ela ajuda o pai em um bar no centro da cidade. E aproveita sábados, domingos e feriados para ganhar um extra com os banhistas.

“Já tirei até R$ 1 mil, mas as pessoas começaram a se dividir e a ir para outras barragens”, diz a comerciante que, por medo da correnteza, ainda não teve coragem de entrar na água.

Apesar das placas avisando sobre os perigos de tomar banho nos reservatórios, não são poucos os que se arriscam. Mas, segundo Edilma, a festa não deve durar muito, já que informações não oficiais dão conta de que os reservatórios serão cercados.

Depois da conversa com Edilma, toquei rumo ao último reservatório, o Barro Branco. Lá encontrei a família da doméstica Vanessa Tavares, 19 anos, moradora de Monteiro. Seu grupo de dez pessoas veio no caminhão da família para um churrasco à beira do açude.

“A gente passava muito tempo sem água. Sei que meu filho vai ter uma vida melhor que a minha, agora que temos água. Era muito difícil”, relembra, enquanto troca a roupa do pequeno Jonathan embaixo da carroceria do caminhão. 

Com o sol baixando, e avistando algumas nuvens carregadas, segui pra Monteiro novamente. É lá que a água do São Francisco encontra com a calha do rio Monteiro, afluente do rio Paraíba, após passar por dois túneis.

O fim da tarde de domingo era uma festa no açude da cidade. Lá encontrei com o radialista Felizardo Moura Nunes, 46 anos. Apesar de reconhecer a necessidade da obra, lamentou que tenha custado caro e demorado tanto. Nesses seis dias de percurso, essa foi a primeira voz crítica que ouvi em relação à transposição.

“Mesmo com o superfaturamento, a obra traz muitos benefícios para a região. Mas é uma obra eleitoreira. Já deveria ter acontecido há mais tempo, há um preço muito menor, com tubulação fechada”, diz.


Além disso, ele critica que a água esteja sendo enviada diretamente para Campina Grande, enquanto as comunidades vizinhas ainda dependam da chuva. 

Como a chuva começou a cair e espantou quem estava curtindo a água, segui rumo a Campina Grande, principal cidade atendida pelo eixo leste da transposição. No dia seguinte seria a vez de conhecer o Boqueirão, o açude que abastece Campina Grande e onde a água do São Francisco faz a última parada. Até amanhã!